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Instituições, Processos e Políticas Governamentais nos EUA

De Hegel a Habermas, passando por Marx e Tocqueville, uma série interminável de observadores — precoces ou tardios — foram impactados por uma característica aparentemente singular da sociedade norteamericana: a desimportância da coerção estatal em sua origem, o caráter “espontâneo”, voluntário, de sua organização política. Livre de passado feudal, formado por grupos sociais deslocados da sociedade que assumia a dianteira no processo da revolução burguesa na Europa, os Estados Unidos trariam em seu código genético o liberalismo político.

A pesquisa mais recente vem qualificando, em diferentes graus e maneiras, essa visão idealizada, cujo representante mais distinguido talvez seja Louis Hartz (1955) e a expressão limite a noção de “patriotismo constitucional” cunhada por Habermas para expressar seu ideal de República. Pense-se, por exemplo, na obra seminal de Skowronek (1982), e da agenda de pesquisa que vem sendo explorada pelos pesquisadores que lhe seguem as pegadas. Peso ínfimo do aparato burocrático do Estado, sim, mas – para além do fator religioso — integração do corpo social por estruturas institucionais muito fortes: um sistema judicial capilar e hierarquizado, com respeito reverencial às decisões da Suprema Corte, de um lado, e, de outro, um sistema precocemente institucionalizado de partidos políticos. Este sistema, que se desenvolveu ao sabor das disputas acerbas que marcaram os primórdios da República, ganhou forma contra as convicções  profundas e os propósitos proclamados dos Founding Fathers. E já estava bastante consolidado nas primeiras décadas do século XIX, como a trajetória de um personagem da estatura de Abraham Lincoln nos indica (Hofstadter, 1969; 1989).

Para Skowronek e seus discípulos, esta situação teria prevalecido até meados do século XIX. Foi apenas depois da guerra civil, em resposta aos desafios da sociedade industrial e aos conflitos sociais que a caracterizam, que o Estado administrativo, com suas estruturas e procedimentos burocráticos próprios, teria se expandido. Nesse momento, estávamos no limiar do que ficou na história dos Estados Unidos como a “Era das Reformas”, ou “Era Progressiva”.

Mais distante da visão benigna, que vê no liberalismo um traço congênito da sociedade americana, situa-se a tese de Smith (1997). Para esse autor, dono de uma obra admirável de reconstrução histórica, iluminadora do significado maior de aspectos de decisões judiciais que poderiam passar por filigranas jurídicas para observadores menos atentos, não há como compreender a sociedade e a história política norte-americana se não colocarmos no centro de nosso quadro de análise a tensão permanente entre três correntes ideológicas profundas, que se reproduzem ao longo de toda a sua história: a vertente liberal, a republicana, e a ideologia da supremacia racial. Focalizando aspectos diferentes, e estudando-os a partir de outras abordagens, as obras de Ceaser (2006) e Fischer (1989) convergem com o trabalho de Smith ao enfatizar a diversidade das matrizes que se combinam na formação histórica dos Estados Unidos.

Ruptura ainda mais profunda com a visão tradicional efetua o programa de trabalho desenvolvido por historiadores, sociólogos e cientistas políticos que abandonam o propósito de buscar nas características intrínsecas à sociedade americana a chave para entender a dinâmica dos Estados Unidos, e tratam de inserir a desenvolvimento histórico desse país no movimento do sistema mais amplo do qual ele faz parte. Nessa literatura, que procura ver os Estados Unidos como “uma nação entre nações” (Bender, 2006; Gould, 2012; Guarneri, 2007), o trabalho de Katznelson (2002) adquire especial relevância para esta área do INCT-INEU, pela maneira como articula os fatores geopolíticos e os processos internos à sociedade em formação, e à importância nesta da coerção organizada  —  ainda que esta se revestisse, nessa fase, de caráter societal. As análises de Mann sobre a Revolução Americana e o liberalismo capitalista confederal (1993) convergem com muitas das teses de Katznelson.

Diversas como possam ser, as linhas interpretativas rapidamente aludidas neste intróito sugerem alguns pontos que estarão em foco nas linhas reunidas nesta área: a flexibilidade da organização sócio-política gestada nos Estados Unidos; a confluência dos movimentos de introversão e extroversão e a importância decisiva de ambos os impulsos no desenvolvimento dessa sociedade; a cominação peculiar entre emprego da força organizada e mecanismos de formação de consenso, e a centralidade da regulação jurídica das relações sociais.

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